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A caruma

            O termo caruma é talvez o mais conhecido para designar a folha ou um conjunto de folhas do pinheiro.
            De facto, socorrendo-nos de um velho dicionário, ficamos a saber que, consoante as localidades, encontramos várias designações dadas à folha ou a um conjunto de folhas do pinheiro. Assim, para além de caruma, encontramos por exemplo: agulha, agulheta, argaço, arguiço, candeia, cisca, cisco, faúlha, gravalha, moliço, etc. (Pequeno Dicionário da Língua Portuguesa – Cândido de Figueiredo).
            Caracterizando as folhas do pinheiro, pode dizer-se que são uma espécie de agulhas, emparelhadas, de cor verde escura, rígidas e grossas e com 10 a 25 centímetros de comprimento, no caso do pinheiro bravo, enquanto as do pinheiro manso são sempre um pouco mais pequenas. Daqui podemos dizer, certamente, que provém a denominação “agulhas”, relativamente à folha do pinheiro. Porém, quanto às outras designações, indicadas no velho dicionário, não é dada qualquer explicação, nem as localidades onde são usadas.
            Por curiosidade e por não vir no dicionário, diga-se em acréscimo que no Valado dos Frades e seus arredores, bem perto do Pinhal de Rei, se usa o termo “aguilhota”.
            Quando velha e seca, a caruma adquire uma tonalidade castanha e vai caindo no chão, formando grandes tapetes no pinhal.
            A recolha da caruma e outros produtos no Pinhal do Rei, por parte das populações limítrofes, vem de tempos remotos, já que era um bem necessário à laboração das antigas lavouras e a sua apanha era gratuita, embora controlada.
            O Marquês de Pombal, no regimento de 1751, concedia ao povo autorização para retirar do Pinhal, lenha seca, ramas, mato, etc.
            Em 1826, no Reinado de D. João VI, aos habitantes das povoações à volta do Pinhal era autorizada a retirada de madeira, varolas, caruma e folhagem, necessárias à laboração das suas lavouras.
            Durante muito tempo (até meados do séc. XX), esta actividade foi sustento de grande parte da população, que, do Pinhal, retirava gratuitamente produtos para seu uso próprio ou comercialização, usando a ajuda de animais e carros de tracção animal ou até carregando-os ao ombro ou à cabeça.
            De facto, o uso da caruma pelos povos à volta do Pinhal era muito vasto. Um dos muitos usos que lhe era dado era o servir de aconchego nas camas dos animais. Usava-se também nas montureiras onde, juntamente com os excrementos dos animais, se produzia o esterco, usado depois como adubo na agricultura. Alguns outros usos iam, por exemplo, desde o simples facilitar do acendimento da lareira até ao atapetamento de pequenos caminhos.
            Acerca do atapetar de caminhos com caruma, refira-se que esta foi a solução encontrada pelos próprios Serviços Florestais quando, por volta de 1940, foram distribuídas bicicletas a todos os guardas florestais e se construíram trilhos com tapete de caruma para facilitar a deslocação desses veículos no próprio Pinhal.
            No Pinhal do Rei, depois de 1790, com a construção da Vala que circundava todo o Pinhal acompanhando o Aceiro Exterior (ou Geral), o Pinhal ficou fechado no que respeita a entradas e saídas, excepto os locais para o efeito escolhidos. Nesses locais foram construídas casas de guarda e em 1857 colocadas tranqueiras. Era ali que os guardas fiscalizavam todas as entradas e saídas de produtos do Pinhal. Para verificar os feixes de caruma ou de mato e evitar situações de abusos, os guardas possuíam uma vara de ferro que espetavam em vários pontos do feixe ou da carrada, verificando se havia algo escondido, vulgarmente lenha, dentro dos feixes ou das carradas.
            Lembro-me de em criança ouvir o termo “ir à caruma”. Era assim que se dizia lá em casa:
            - Temos de ir à caruma.
            Naquele tempo, existia ainda na Marinha Grande (Casal de Malta) o célebre Pinhal da Feira, aqui mencionado. Era aí que, com o ancinho e uma corda para atar o feixe, a minha mãe e alguns outros moradores daquela zona se deslocavam para a apanha da caruma. Depois de atado, o feixe era colocado à cabeça com a ajuda de alguém que passasse. Porém, quando não havia quem ajudasse, o feixe era encostado a um pinheiro e, à força de braços, empurrando-o contra o pinheiro e rodando-o faziam-no subir no próprio pinheiro até uma altura que se conseguisse meter a cabeça por baixo.
            Nos dias de hoje, pode dizer-se que, como actividade regular no Pinhal do Rei, a apanha de caruma está extinta, ou quase. E digo “quase”, porque, ainda há poucos dias, quando andava ali pelo Talhão 1 do Pinhal, perto de Vieira de Leiria, me deparei com alguém que fazia uma enorme carrada de caruma e depois a transportava num pequeno carro de tracção manual.
            O poeta leiriense Acácio de Paiva deixou-nos o excelente poema “O Feixe de Caruma”.


Burro carregado de caruma - anos 50 do séc. XX

Mulheres com feixes de caruma - anos 50 do Séc. XX
(Fotos da Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral)

Grupo de mulheres com ancinhos para apanhar caruma


Apanha de caruma na actualidade

Comentários

  1. Muito esclarecedor e carregado de ensinamentos. Esta gente trabalhava e respeitava a natureza.

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  2. Na mina zona (trás dos montes) chama-se (fonas), quem me dera ter z força dessas senhoras ou do burro 😅

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