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A Fábrica dos Franceses

            Lembro-me de em criança ir algumas vezes para a brincadeira, com amigos daquela época, para a fábrica dos franceses.
            Vivia nesse tempo na zona do Casal de Malta e o dito lugar de brincadeira ficava para lá (a sul) do Pinhal da Feira, assim chamado por ali se realizar mensalmente uma feira de gado, porcos. Era a feira dos porcos.
            Depois de atravessado o pinhal, atravessava-se também o caminho-de-ferro do oeste, a “linha do comboio” como nós dizíamos, apanhando-se depois um antigo carreiro em direcção a Este.
            Bem rápido chegávamos ao local, pois não era longe dali. Sei hoje que aquela zona fora outrora conhecida como Pinhal dos Cortiços. Era uma zona muito frondosa, com grandes árvores e muitas plantas, onde proliferava a cana-da-índia que nós usávamos nas nossas brincadeiras.
            Já em ruínas, havia um enorme palacete, residência do administrador da fábrica, que nós visitávamos e que tinha uma cave onde alguns dos meus amigos desciam por vezes munidos de lanternas, mas onde, eu, talvez por receio, nunca fui.
            Ao lado do palacete, já com muito pouca coisa de pé, havia as ruinas da antiga fábrica, onde também havia uma pequena cave onde já nada existia e cujo acesso se fazia por uma escada de ferro chumbada na parede. Ao lado, a enorme chaminé, ainda intacta, que os mais afoitos subiam até ao topo, dava-nos indicação de que estávamos em contexto de ruinas industriais, embora, naturalmente, naquela época, não fizéssemos ideia do que quer que fosse.
            Sei agora que se tratava das ruinas de duas antigas serrações de madeira montadas por franceses e que trabalhavam com madeira do Pinhal do Rei.
            Depois do corte dos pinheiros, com o machado ou com a serra de punhos movida por dois homens, a serragem das madeiras foi feita durante séculos por processos arcaicos, embora com algum rigor, por serradores manuais.
            Depois de abatida a árvore, esta era cortada em toros nas medidas exigidas pela futura aplicação que teriam. Era a serração braçal.
            Por volta de 1724, D. João V, tentando resolver o problema da serragem das madeiras, comprou e mandou instalar na Marinha Grande um engenho de serrar movido a vento. Devido a deficiências no seu mecanismo e por ser construído em madeira, este engenho foi destruído em 1774 por um incêndio provocado pelo atrito e nunca mais foi reconstruído.
            Também existiram engenhos de serrar movidos a força hídrica. Montados, crê-se, no século XVIII, situavam-se na Ponte Nova e em S. Pedro de Moel aproveitando a água dos ribeiros. Trabalharam até aos primeiros anos do século XIX.
            Os Serviços Florestais utilizaram pela primeira vez um engenho de serrar a vapor em 1859 no grande armazém de madeiras das Tercenas, junto à foz do Rio Liz, mas desta máquina pouco se sabe.
            Mais tarde foi adquirida uma moderna máquina (locomóvel), espécie de serração móvel a vapor, que passou a ser instalada, a partir de 1870, junto aos locais de abate dos pinheiros. Porém, por falta de estradas, havia muita dificuldade em movimentar a locomóvel pelas areias do Pinhal. Esta máquina foi depois transferida para o Parque do Engenho, onde se montou a serração mecânica. Esta fábrica teve grande importância para os Serviços Florestais e trabalhou durante muitos anos, não se sabendo exactamente a data da sua extinção.
            Mas seria a electricidade que haveria de revolucionar a indústria de serração de madeiras, apesar de, nalguns casos, a serração braçal, essa longeva profissão, se manter até meio de século XX.
            Em França, o aparecimento dos modernos motores eléctricos trouxe à indústria de serração de madeiras um grande desenvolvimento.
            Assim, mais desenvolvidos tecnologicamente, foram os franceses que vieram instalar na Marinha Grande as primeiras serrações movidas a electricidade.
            Em 1904 é fundada a Sociedade de Exploração Florestal de A. R. Duboscq, Beauvais & Pelletier (conhecida por “Fábrica dos Franceses”), de Henri Dubois. Esta fábrica, instalada a Sul da estação dos caminhos-de-ferro, estava equipada com as mais modernas máquinas existentes na época e chegou a empregar mais de 100 pessoas, trazendo grande desenvolvimento à Marinha Grande. Funcionou em pleno até 1914 mas, pouco tempo após o fim da Guerra 1914-1918, devido às dificuldades existentes, acabou por falir.
            Também montada por franceses, por volta de 1905, a C. Dupin & Cª teve as suas instalações junto da fábrica de Henri Dubois, também a Sul da estação dos caminhos-de-ferro. Esta fábrica trabalhava quase exclusivamente para exportação, embora, mais tarde, tivesse fornecido a Companhia Portuguesa de Madeiras. Funcionou até cerca do ano 1955.
            O início da laboração destas fábricas acabou por incentivar os portugueses à exploração desta indústria, sendo muitas as serrações que se montaram a partir daquela época na Marinha Grande, o que veio trazer grande desenvolvimento económico.
            Mais tarde, em 1952, também os Serviços Florestais haveriam de usar a electricidade para montar a Serração de Pedreanes.
           Da Fábrica dos Franceses já nada existe. Os terrenos foram vendidos à vidreira Santos Barosa, e tudo foi demolido para construção de novas instalações.


A Fábrica dos Franceses - ano de 1918

Armazenamento de madeiras na Fábrica dos Franceses

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