Faço hoje uma excepção à linha de
orientação temática desta página para vos deixar algo distinto dessa
mesma orientação mas que, creio, não melindrará o habitual leitor, pois, como
se costuma dizer, é também, a excepção que confirma a regra.
Quero deixar aqui hoje, no dia em
que se comemoram os 40 anos sobre o 25 de Abril de 1974, uma singela homenagem
a José Afonso, incansável lutador que se perfilou na luta contra a pobreza e
contra o regime Salazarista.
Em 1963, José Afonso, que já tinha alguns
discos editados anteriormente, lança os primeiros temas de carácter
vincadamente político, Os Vampiros e Menino do Bairro Negro.
Os Vampiros, tema assumidamente
contra a opressão do capitalismo daquela época, viria a tornar-se um dos
símbolos da resistência anti-Salazarista.
Nesta canção, uma pequena referência
ao Pinhal do Rei e o facto de ter sido um dos primeiros temas de carácter
politico e pela importância que veio a ter posteriormente na resistência ao
poder político de então, levaram-me a escolhê-la para esta mensagem.
Em relação a uma análise mais
profunda à letra e à intenção desta canção, por não me sentir capacitado, não
serei por certo eu a pessoa indicada para o fazer, deixando, por isso, ao
critério de cada leitor. Porém, quem melhor para o fazer do que o próprio José
Afonso? De facto, e citando um artigo do Jornal “O Público” em 20/07/2013, na
passagem do cinquentenário da primeira edição de Os Vampiros, «José Afonso
escreveu no livro Cantares (ed. Nova Realidade, 1967) estas palavras para
justificar a canção Os Vampiros: "Numa viagem que fiz a Coimbra
apercebi-me da inutilidade de se cantar o cor-de-rosa e o bonitinho (...). Se
lhe déssemos uma certa dignidade e lhe atribuíssemos, pela urgência dos temas
tratados, um mínimo de valor educativo, conseguiríamos talvez fabricar um novo
tipo de canção cuja actualidade poderia repercutir-se no espírito narcotizado
do público, molestando-lhe a consciência adormecida em vez de o distrair. Foi
essa a intenção que orientou a génese de Vampiros".
O que o inspirou? "A fauna
hiper-nutrida de alguns parasitas do sangue alheio serviu de bode expiatório.
Descarreguei a bílis e fiz uma canção para servir de pasto às aranhas e às
moscas. Casualmente acabou-se-me o dinheiro e fiquei em Pombal com um amigo chamado
Pité. A noite apanhou-nos desprevenidos e enregelados num pinhal que me lembrou
o do Rei (…)."».
Contingências decorrentes duma
evolução errónea nos últimos anos no nosso país levam a que, cada vez mais,
esta canção se mantenha actual. A sua actualidade torna-a detentora de
intemporalidade que, como se sabe, é uma das principais características de toda
e qualquer obra de arte.
Aqui fica a interpretação do “Zeca
Afonso” na sua última actuação pública em 29 de Janeiro de 1983 no Coliseu dos
Recreios em Lisboa, quando este já se encontrava muito afectado pela doença que
lhe viria a ser fatal.
No céu cinzento
Sob o astro mudo
Batendo as asasSob o astro mudo
Pela noite calada
Vêm em bandos
Com pés de veludo
Chupar o sangue
Fresco da manada
Eles comem tudo
Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada ( bis )
A toda a parte
Chegam os vampiros
Poisam nos prédios
Poisam nas calçadas
Trazem no ventre
Despojos antigos
Mas nada os prende
Às vidas acabadas
Eles comem tudo
Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada ( bis )
Se alguém se engana
Com seu ar sisudo
E lhes franqueia
As portas à chegada
Eles comem tudo
Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada ( bis )
No chão do medo
Tombam os vencidos
Ouvem-se os gritos
Na noite abafada
Jazem nos fossos
Vítimas dum credo
E não se esgota
O sangue da manada
Eles comem tudo
Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada ( bis )
São os mordomos
Do universo todo
Senhores à força
Mandadores sem lei
Enchem as tulhas
Bebem vinho novo
Dançam a ronda
No Pinhal do Rei
Eles comem tudo
Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada ( bis )
Se alguém se engana
Com seu ar sisudo
E lhes franqueia
As portas à chegada
Eles comem tudo
Eles comem tudo
Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada ( bis - 3X )
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